Arquivo | outubro 2019

Falando de Psicologia … (30) – Recado a certos pais.

 

Recado a certos pais

      Alguns pais se queixam da não participação do(a) parceiro(a) na educação dos filhos. De um modo geral, são as mães que reclamam da ausência do marido na rotina das crianças. A falta de tempo é o motivo mais alegado por eles, mas tenho observado que existem traços que se repetem na hora de construirmos o perfil destes pais (ou mães, em alguns casos).

Durante uma conversa – em clima de orientação psicológica – verifico que não se trata de falta de amor pelos filhos, ou de falta de compromisso com os mesmos. Algumas pessoas (pais ou mães) sentem grande dificuldade em expressar sentimentos, seja na hora de um diálogo, seja na hora de estabelecer um contato físico com os filhos. Para facilitar o entendimento, vou citar possíveis ocorrências que prejudicam o desenrolar de uma conversa. Por exemplo:

  • Não prestar atenção ao que o(a) filho(a) está falando.
  • Não ouvir “com o coração”. Ou seja, ouvir apenas com o lado racional, sem estar antenado ou sintonizado com os sentimentos e necessidades do(a) filho(a).
  • Adotar uma postura de autoritarismo na hora em que o filho se abre, perdendo uma boa oportunidade de se mostrar mais companheiro(a) do(a) filho(a).
  • Citar exemplos de sua própria infância, como se o(a) filho(a) tivesse que seguir seu modelo.
  • Ouvir com impaciência e de olho no relógio.
  • Aproveitar para “passar um sermão” no(a) filho(a).

Outro ponto comum refere-se à pouca disponibilidade para atender aos anseios do(a) filho(a):

  • Não comparecer aos jogos em que o(a) filho(a) compete, ou a recitais de música (piano, flauta, balé, canto etc).
  • Não levar o(a) filho(a) a festas ou reuniões de grupo promovidas pela escola.
  • Não comparecer às reuniões de pais marcadas pela escola do(a) filho(a).
  • Não ajudar o(a) filho(a) nos trabalhos escolares que demandam a participação dos pais.
  • Não levar o(a) filho(a) a algum tratamento de que necessite (odontológico, médico ou psicológico).

Isso é mais comum entre os filhos de pais separados. Quem fica com a guarda (geralmente a mãe) fica, também, com os deveres, enquanto o outro fica com os momentos de lazer. Também aqui podemos listar alguns traços que caracterizam tais adultos: excesso de envolvimento com o trabalho, tentativa de suprir as necessidades do filho através de dinheiro ou presentes, hábito de transferir para outras pessoas a “tarefa” de conviver com o(a) filho(a) etc. etc.

Diante do que foi exposto, creio que seja fácil fazer uma autoanálise e evitar tudo aquilo que possa prejudicar o bom relacionamento entre pais e filhos.

 

Falando de Psicologia … (29) – Quando uma criança gosta de brincar com fogo (II)

Quando uma criança gosta de brincar com fogo (II) 

      No artigo anterior vimos o que pode levar uma criança a querer brincar com fogo, com destaque para três características básicas: curiosidade, imitação e necessidade de chamar a atenção sobre si. Nesse artigo falarei sobre certas implicações psicológicas e maneiras de ajudar a criança que se sente muito atraída pelo fogo. O essencial, em qualquer situação, é que a criança esteja livre de perigos para os quais ainda não está preparada. Para isso, ela deve contar com a supervisão eficiente de seus pais (ou demais familiares). Porém, não basta evitar os acidentes. Existem casos em que a atração pelo fogo tem um sentido muito mais amplo que o aparente. É preciso observar em que circunstâncias a criança se utiliza do fogo – frequência com que o faz, episódios do dia que estariam relacionados com a ocorrência, quaisquer experiências desagradáveis que ela porventura tenha vivido ( se levou uma surra, se foi severamente criticada, se sofreu humilhações) e assim por diante.

Muitas vezes, a criança apresenta problemas emocionais (leves ou intensos) que dificultam seu controle, mesmo sabendo dos perigos de uma brincadeira com fogo. Assim, uma criança muito rebelde, ou muito agressiva, ou com um forte sentimento de inferioridade, pode ter um impulso de atear fogo bem mais acentuado que o de outras crianças. E nesse caso, o ato de queimar alguma coisa teria um outro significado, bem mais sério (forte impulso destrutivo, necessidade exagerada de chamar atenção, revolta e ressentimentos mais profundos). Geralmente, as crianças que se enquadram nessa categoria apresentam distúrbios de comportamento que os pais podem identificar com relativa facilidade: inapetência, irritabilidade, insônia (ou sono agitado), enurese que se prolonga após os cinco anos, dificuldades no seu relacionamento, além de outros indícios de que algo não vai bem.

Um desses distúrbios (ou mais de um), acrescido de um impulso de atear fogo que não desaparece com as medidas habituais, pode mostrar o quanto uma determinada criança está desajustada. Certamente, uma ajuda especializada se faz necessária.

O que fazer, então, quando a criança insiste em brincar com fogo? 

Proibir, castigar ou fazer ameaças são medidas que muitas pessoas utilizam, mas nem sempre os resultados são satisfatórios. Darei, a seguir, algumas sugestões de ordem prática. Devo esclarecer que vou me basear na opinião de alguns autores e na vivência que tenho tido, ao desempenhar minhas funções de mãe (e avó) e de profissional que sempre lidou com crianças dia após dia, ao longo de muitos anos de formada em Psicologia e atuando de forma ininterrupta.

Alguns exemplos de experiências positivas (e vigiadas), que os pais podem proporcionar à criança (quando a atração pelo fogo não é exagerada):

  • Ajudar a acender o fogão (a criança precisa adquirir noção de perigo e, gradativamente, ir alcançando mais autonomia).
  • Acender velas quando for necessário (quando faltar energia elétrica ou quando se queira acender as velinhas de um bolo de aniversário, ou quando se usam velas durante um momento de oração em família).
  • Ajudar a queimar uma pequena quantidade de folhas secas (ao ar livre, naturalmente).
  • Ao invés de esconder os fósforos, orientar a criança sobre os perigos de se brincar com fogo e capacitá-la de tal forma que ela saiba o que está fazendo e sinta prazer em colaborar com os pais, através do respeito aos limites por eles estabelecidos.

Enfim, se os pais perceberem que seu filho (ou filha) está precisando de mais presença e maior compreensão, seria desejável que se repensasse o quanto ainda se pode investir na qualidade de vida dessa família. E, mais uma vez, solidificar os laços afetivos tão necessários ao equilíbrio de todos e de cada um de seus membros…

 

 

 

 

Falando de Psicologia … (28) – Quando uma criança gosta de brincar com fogo (I)

Quando uma criança gosta de brincar com fogo (I)

     Uma senhora está bastante preocupada com o filho porque este aprecia certas brincadeiras relacionadas com fogo (riscar fósforos, mexer no fogão, acender velas e queimar papéis). Ela já tentou impedi-lo de fazer isso, mostrando o lado perigoso de tais brincadeiras. Como não obteve resultado com essa medida, tentou outras, como: esconder todas as caixas de fósforos, repreender severamente a criança e aplicar castigos diversos. Nada disso adiantou.

     Ela pergunta, então: “É normal uma criança gostar tanto assim de brincar com fogo?” 

Não se trata de dizer se é “normal” ou não. Até certo ponto, é perfeitamente aceitável esse interesse pelo fogo. Em alguns casos, porém, a brincadeira com fogo é mais um sinal de que algo não vai bem com a criança. Vou mostrar essas duas possibilidades, analisando os seguintes pontos:

  1. O que leva uma criança a se interessar pelo fogo.
  2. Quando a brincadeira com fogo é sinal de problema psicológico.
  3. Como agir, no sentido de ajudar a criança e, ao mesmo tempo, diminuir a preocupação dos pais.

Já se observou que muitas crianças, no período que vai dos três aos seis anos, costumam sentir uma forte atração pelo fogo. Assim, pegam toda caixa de fósforos que encontram, não só para riscá-los, como também para atear fogo em muitos objetos. Algumas chegam a provocar verdadeiros incêndios, a partir de uma brincadeira com fósforos. Não resta a menor dúvida de que o risco de acidentes existe sempre e que os pais têm razão em se preocupar com o fato.

Mas, constatar que é comum a criança gostar de brincar com fogo, e que isso é perigoso para ela e para as outras pessoas, não é o que nos interessa aqui. O importante é procurarmos compreender o que leva uma criança a atear fogo em alguma coisa, para sabermos como agir, conforme cada situação.

             O que leva uma criança a se interessar pelo fogo?

Se considerarmos a curiosidade natural de uma criança, veremos que é perfeitamente aceitável que o fogo desperte nela o mesmo interesse que a água, a terra ou a areia, os brinquedos novos e os lugares diferentes. Uma criança geralmente aprecia essas coisas, como sabemos. Aliás, ela precisa conhecer tudo aquilo que esteja ao seu alcance. E nesse sentido, a curiosidade é um fator natural e favorável ao desenvolvimento de qualquer criança.

Além desse fator, existe um outro que também explica a atração pelo fogo. Trata-se da imitação. Ou seja, as crianças (sobretudo as mais novas) mostram uma tendência acentuada a imitar as pessoas de seu convívio. Ora, no contato diário com os adultos, uma criança comum pode ver, a todo instante, como eles se utilizam do fogo – para cozinhar, para acender cigarros (infelizmente ainda é grande o número de fumantes) ou até mesmo para acender as velinhas de um bolo de aniversário…

Como podemos esperar que seja fácil, para uma criança, privar-se de uma experiência que a faz parecer com o adulto?

Já que estamos falando em características da infância (curiosidade e tendência à imitação) não podemos nos esquecer da necessidade de chamar atenção. Essa é, também, uma característica que pode levar uma criança a se interessar pelas brincadeiras com fogo.

Mas, chamar atenção através de uma brincadeira com fogo nem sempre é algo tão natural e aceitável. É isso que veremos no próximo artigo (implicações psicológicas e maneiras de ajudar uma criança que aprecia brincadeiras com fogo).